Enviado por Mônica Herculano • fevereiro 12, 2016 • originalmente publicado em Cultura & Mercado
Um grupo de empresários que nada têm a ver com o mercado cultural decide investir em uma produtora audiovisual de uma ONG. Um profissional do mercado financeiro resolve apostar na criação de uma rádio online. Um diretor de uma empresa de planos de saúde lança mão de recursos próprios para apoiar um espaço cultural que seria fechado por questões financeiras.
Tudo isso está acontecendo no Brasil e pode significar um ainda pequeno mas forte indício de que há sim outras formas de não só manter a cultura viva, mas fazê-la se desenvolver ainda mais mesmo em tempos de dificuldades econômicas.
Lançada em janeiro, a produtora AfroReggae Audiovisual nasceu justamente como uma solução de sustentabilidade em um ano em que os patrocínios começaram a cair muito – um corte de R$ 13 milhões em 2015, informou o criador da ONG, José Junior, ao jornal Valor Econômico. A ideia foi apresentar aos possíveis investidores uma nova possibilidade de apoio ao trabalho: com retorno financeiro.
Entre os empresários que toparam participar da nova empresa estão os ex-presidentes do banco Santander, Fabio Barbosa e Marcel Portela, e Paulo Ferraz, do Bozano Simonsen, liderados pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Do outro lado há um fundo de investimento em audiovisual (Investimage I). A ONG é a principal acionista do negócio, com mais de 50% da participação. Isso deve se transformar na principal fonte de renda para o desenvolvimento dos projetos.
“O processo foi rápido e preciso. Os investidores procurados responderam positivamente, depois de analisar o business plan, a tese de investimento e o mercado. Não foi necessário fazer uma segunda rodada. Os números do setor, o histórico da empresa, a equipe envolvida e o planejamento apresentado foram elementos capazes de despertar um interesse imediato”, conta Sérgio Sá Leitão, ex-presidente da RioFilme e ex-secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, que assumiu a presidência da empresa.
Foi Sá Leitão quem elaborou, junto com Christian de Castro, da consultoria Zooks, o plano de negócios do novo empreendimento. Ele conta que o estudo foi apresentado inicialmente a investidores próximos, com histórico de interesse em novas empresas e mercados. E que embora não sejam ligados ao setor, todos demonstraram vontade de conhecer a atividade e identificaram o potencial de inovação e de rentabilidade do negócio. Só depois investidores ligados ao audiovisual, como a Investimage, foram procurados.
Para ele, que também é diretor de cinema na produtora Sentimental Filme, os perfis de investidores são distintos entre uma empresa essencialmente comercial e outra com viés social. “A AfroReggae Audiovisual tem um foco temático preciso (a realidade social), uma equipe formada parcialmente por profissionais oriundos de comunidades e o fato de ter uma ONG como acionista majoritária. São elementos atraentes para um tipo de investidor, que busca combinar a rentabilidade com o impacto social. No caso da Sentimental Filme, não há o aspecto social envolvido. Mas há outros pontos igualmente atraentes para investidores.”
A AfroReggae Audiovisual já tem 13 projetos de séries e filmes negociados com canais de TV e distribuidoras. Há doc-realities, série de ficção, longa-metragem e também está prevista uma área voltada para produção de vídeos institucionais e branded content. Parte da equipe é formada por profissionais oriundos de comunidades e ex-detentos.
Negócio inovador – A jornalista e radialista Patricia Palumbo há muito tempo tinha a ideia de ter sua própria rádio, mas o impulso de fazer acontecer mesmo veio em 2015, graças à crise criativa das emissoras tradicionais, segundo ela tanto na programação quanto no conteúdo e no modelo de negócio. Ela já conhecia o administrador e gestor de patrimônios Eduardo Pinho, que em 2014 lhe disse que gostaria de investir em algo relacionado ao mundo da música. Na época ela não tinha nada para propor, mas resolveu procurá-lo quando a ideia da rádio tornou-se mais clara.
“A chegada do Eduardo deu as condições necessárias para começar direito. Eu não faria uma simples veiculação de streaming. Meu negócio é o rádio, gosto da linguagem, não faria uma playlist”, conta a apresentadora do programa Vozes do Brasil, transmitido há mais de 15 anos em 10 rádios por todo o país. A Rádio Vozes tem previsão de estreia em março, e o maior investimento está sendo na parte de tecnologia, “para fazer com que o conteúdo de qualidade não se perca num suporte fraco”, enfatiza Patrícia.
Pinho já tinha investido em cultura, no filme “Tim Maia”, mas não pretende fazê-lo novamente no setor audiovisual, por não ter tido o retorno esperado. “Além de gostar de cultura, tenho sim interesses financeiros e comerciais neste tipo de atuação”, explica. O interesse pessoal pela música o fez procurar Patrícia inicialmente, mesmo sem saber exatamente qual tipo de trabalho poderiam fazer juntos. No ano passado, quando a ideia estava mais amadurecida, começaram a trabalhar no desenvolvimento do projeto. “De alguma maneira eu queria contribuir com algo que se relacionasse à musica, mas não só financeiramente. Então quando surgiu a ideia de ligar música a um business inovador, isso me interessou bastante. Além, claro, de toda a experiência e a posição da Patrícia neste mercado”, conta o investidor. “Eu só precisei contar para ele qual era o sonho, e agora estamos construindo tudo juntos, desde a base”, diz Patrícia.
Como rádio online é muito incipiente no Brasil – as rádios tradicionais fazem sua transmissão online, mas o digital não é seu principal negócio -, eles basearam sua pesquisa de mercado nos modelos digitais em geral e em rádios internacionais, como a Monocle. “Pode ser que as rádios tradicionais acabem, porque elas vivem num modelo de concessão que tem um custo muito alto, que ficou refém do jabá. É um circulo vicioso e as rádios que ainda estão sobrevivendo são as de esportes, notícias e música gospel”, avalia Pinho.
Para ele, uma rádio web pode ser completamente independente de gravadora, com linha editorial própria, programação contemporânea e que reflita o que as pessoas fazem e como elas vivem, no ar 24 horas por dia. “A gente realmente quer inovar nisso”, pontua. Além de programação diária ao vivo com a própria Patrícia todas as manhãs, a Rádio Vozes terá outros nomes de destaque na cena cultural brasileira. Daniel Daibem, Paulo Miklos, Anelis Assumpção, Roberta Sá, Constanza Pascolato e Zé Pedro são alguns dos que terão seus próprios programas.
O investimento financeiro de Pinho representa cerca de 15% do seu patrimônio pessoal, incluindo bens imóveis. “É um investimento relevante. E isso ajuda na captação de novos investidores, porque eles estão vendo que eu realmente acredito no negócio”, conta. O modelo prevê a venda de patrocínios para cada programa ou para uma faixa de horário em específico (quando conversamos com Patricia, a faixa das 18h já estava com patrocínio de um grande grupo empresarial). Com isso, a rádio deverá manter a estrutura tecnológica, custos de equipe fixa (que inclui ainda uma coordenadora de produção) e estúdio de edição, além de remuneração para os apresentadores.
Retorno além do financeiro – Mas o investimento de pessoas físicas em projetos culturais mesmo sem uma perspectiva de retorno financeiro inicial também continua sendo feito. O economista Marcos Barreto, hoje diretor corporativo de uma empresa de planos de saúde, desde muito jovem se interessa por cultura. No passado chegou a ser sócio-diretor de uma produtora de cinema e presidiu uma fundação empresarial de responsabilidade social que tinha como um dos seus focos de atuação o trabalho de inclusão social por meio da cultura. Mas no campo pessoal gosta de apoiar projetos com os quais se identifica e cria vínculo, ainda que sejam pontuais, como a gravação de um CD ou a produção de um filme.
Neste caminho, conheceu o trabalho do músico Benjamim Taubkin, com seu selo musical Núcleo Contemporâneo e, posteriormente, o espaço cultural Casa do Núcleo, em São Paulo (SP). “Considero o trabalho do Benjamim consistente e muito importante para a promoção da música instrumental brasileira. No início de 2015 li um post dele no Facebook em que manifestava sua intenção de fechar a Casa e externava de alguma maneira a dificuldade em manter o projeto. Escrevi para ele e marcamos um almoço onde falei do meu interesse em participar.”
Daí surgiu a ideia de criar um grupo de “Amigos da Casa do Núcleo”, que ajudasse a garantir sua sustentabilidade. Ao longo de 2015, Barreto fez aportes mensais ao espaço – que somados aos outros projetos culturais que apoia somaram entre 5% e 7% de seus ganhos anuais -, e outras pessoas também se uniram ao grupo com o mesmo intuito. “O grupo ainda é bastante pequeno, até porque, acredito, falta na nossa cultura o hábito da doação individual para projetos culturais”, diz Barreto, que participa de conversas eventuais com a equipe da Casa.
“O retorno que espero não é mensurável, se dá no campo de algo que acredito, ou seja, que a cultura e a boa música podem mudar a vida das pessoas, tornar nossa sociedade melhor, mais acolhedora, menos mesquinha. Aposto na mudança da sociedade por meio da cultura, diria que minha pequena contribuição se dá num campo militante, de quem o faz porque acredita que isso é o correto a ser feito. Porque aposto que a manutenção de espaços privilegiados de boa música e encontros, como a Casa do Núcleo, são importantes para a nossa sociedade”, completa o investidor.
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