Lançada em março pelo Observatório do Livro e da Leitura, a pesquisa Bibliotecas e Leitura Digital no Brasil dá o tom sobre a realidade dos estabelecimentos de leitura e empréstimos de livros no país. Feita com 503 instituições distribuídas entre as cinco regiões brasileiras, os dados mostram um cenário preocupante sobre as instituições que, salvo exceções, necessitam de infraestrutura, tecnologia e mais visitantes.
Um dos dados que chama a atenção é o da frequência de usuários das bibliotecas pelo país. Na média, o número é de 420 visitantes por mês. Levando-se em conta apenas os dias de semana (cerca de 22 em um mês) a média nacional de visitantes é de 19 pessoas por dia. Se já não fosse esse número inquietante, vale ressaltar que uma porcentagem expressiva (22%) dos estabelecimentos mantém uma média ínfima de visitas mensais, não chegando a 50 pessoas por mês. Em contrapartida, bibliotecas de grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Salvador puxam essa média para cima, já que suas frequências de acesso variam entre 400 e cinco mil usuários mensais.
Galeno Amorim, diretor geral do Observatório do Livro e da Leitura, diz que os números demonstram anos de descaso em políticas públicas para o setor. “Uma pesquisa como essa costuma trazer boas notícias e outras não tão boas. Os dados atualizam cenários que foram traçados há alguns anos no Brasil. A situação das bibliotecas continua de precariedade por não terem sido implementadas políticas públicas robustas para enfrentar o descaso com o setor nos últimos anos”.
Na pesquisa, 52,5% das bibliotecas eram de escolas municipais. Bibliotecas comunitárias correspondiam a 16,3% dos estabelecimentos (considerou-se biblioteca comunitária espaços mantidos por instituições de caráter público). E em menor número estavam as instituições escolares públicas (11,22%), públicas estaduais (4,41%), escolares privadas (2,4%), rurais (2,81%), de universidades (3,41%), órgãos públicos (1,8%), mantidas por empresas públicas ou privadas (1,4%) e outras (3,81%). Estima-se que o Brasil tenha um número de instituições, nesse universo, superior a 120 mil.
Em relação à distribuição geográfica tem-se o seguinte cenário: 34,6% das bibliotecas entrevistadas estão situadas na região Sudeste, com destaque para os estados de São Paulo (14,3%) e de Minas Gerais (13,7%). O Nordeste vem logo em seguida com 32,4%. O Centro-Oeste e o Norte possuem poucas bibliotecas na amostra, chegando a, respectivamente, 6,8% e 5,6%. Abaixo, o gráfico mostra o número de instituições pesquisadas por estado:
Infraestrutura – Com relação aos equipamentos, a situação também não é animadora. Cerca de 20% dos estabelecimentos pesquisados não possuem nenhum computador com acesso à internet. Na média geral, o número de máquinas para uso interno é de 3,2 equipamentos por unidade, e de 6,39 no caso de aparelhos destinados a pesquisas e uso dos leitores.
A pesquisa demonstra que 65% das bibliotecas se utilizam da banda larga para conexão com a internet, chegando a 77,7% nas bibliotecas de escolas e a 87,5% no caso das universitárias. Cerca de 65,55% das bibliotecas analisadas têm apenas o computador como ferramenta para acessar a internet. Quando não são considerados os computadores, o aparelho mais utilizado para acessar a rede é o smartphone (uma média de 11 aparelhos por estabelecimento, geralmente de uso pessoal dos funcionários).
Quais são os dados animadores? – As bibliotecas estão inclinadas a experimentar outras formas de acesso aos livros para atrair mais público. Com a utilização de ebooks, para cerca de 57,64% dos entrevistados – bibliotecários, coordenadores, chefes e diretores das unidades -, os usuários vão aderir e talvez ler mais. Apenas 5,3% dos entrevistados acham que os leitores vão deixar de usar os livros de papel, enquanto 82,08% acham que os dois tipos vão conviver.
Já discutido há alguns anos, o sistema de empréstimos de ebooks ainda não é uma realidade graças às dificuldades em implementar um modelo de negócios que garanta o recolhimento de direitos autorais. “Há um esforço sendo feito para viabilizar modelos que façam com que os editores disponibilizem seus livros também para empréstimos. O Brasil está pelo menos cinco anos atrasado em relação aos Estados Unidos e Alemanha”, explica Amorim.
As editoras, com medo da pirataria, não disponibilizam seus catálogos para empréstimos em bibliotecas, o que impossibilita a digitalização do acervo. O argumento é que os usuários poderiam fazer download indiscriminadamente e que, tendo acesso às obras digitais, não precisariam mais comprar livros.
A pesquisa tenta dar uma ajudinha para resolver esse impasse. O estudo aponta o número de vezes que um livro físico é utilizado em uma biblioteca antes de ir para o lixo: média de 168 vezes para literatura comum. Esse número é ainda maior nas obras de referência (enciclopédias, dicionários, atlas, etc.) e chega a 263 vezes. Para outras publicações, os números seguem em decrescente, como mostra o gráfico:
Já em relação aos periódicos, esses números são ainda menores. Os jornais diários ficam inutilizados a partir de 27 utilizações por diferentes pessoas. As revistas semanais têm uma média de utilização de 63,5 usuários, enquanto em bibliotecas escolares os exemplares das revistas podem ser lidos pelo menos 105 vezes. Os gibis teriam vida por 62,16 usos e as revistas mensais podem ser usadas pelo menos 83,79 vezes.
Segundo Galeno Amorim, os dados vêm alimentar novos modelos de negócios para a implantação de sistemas de ebooks nas instituições. “Isso ajuda a resolver esta questão na cabeça do editor: ‘qual é o número de vezes que um ebook pode ser lido?’”, diz. Com esses dados em mãos, é possível mostrar ao editor quanto o seu livro físico “rende” à biblioteca e fechar um modelo similar para os ebooks: quando alcançado um número “X” de acessos, a instituição se comprometeria a comprar um novo exemplar.
Com as arestas aparadas, vem um segundo passo: estruturar as instituições para a modernização dos sistemas que acabem com filas e facilitem a busca e passeio pelas obras digitais. Segundo o diretor, bibliotecas de grandes centros urbanos em estados como Rio Grande do Sul, Salvador e São Paulo devem iniciar o sistema de empréstimos de ebooks ainda em 2014. E a pesquisa pode alimentar a criação de políticas públicas para o setor no Brasil, tanto para prefeituras quanto para governos estaduais e federal.
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