Enviado por Álvaro Santi • fevereiro 24, 2016 • Cultura e Mercado
Se você é um gestor cultural, já sabe: a crise bateu à porta. Ou até, quem sabe, já entrou e ficou à vontade. Trouxe a mala, e você já viu que ela pretende ficar por algum tempo. E agora?
Pois é, logo agora, que as coisas estavam melhorando, não é? Ao longo de pouco mais de uma década, entre 2003 e 2014, os recursos públicos para a cultura no Brasil cresceram quase 300% em termos nominais, contra uma inflação de 97% (IPCA). No mesmo período, a soma de toda a despesa pública – União, estados e municípios – cresceu bem menos, 186%. (Os dados aqui utilizados são do Tesouro Nacional, referentes à execução orçamentária, não computadas as leis de incentivo.) Se mesmo assim inúmeras expectativas do setor seguem por ser atendidas, não há como não comemorar esses números, indicadores de uma relevância maior da cultura para as políticas públicas.
Não foi um crescimento uniforme, entretanto. Seu protagonista foi o Governo Federal, que majorou em 661% seu orçamento para cultura, mais de quatro vezes acima do total da despesa (que cresceu 163%). Estados e municípios, cujas despesas totais cresceram bem mais do que as da União no período (235% e 270%, respectivamente), elevaram os recursos para cultura de forma mais ou menos proporcional: estados em 252%, municípios em 257%.
De fato, esse crescimento notável da participação federal veio reduzir um desequilíbrio histórico, pois em 2003 a União respondia por apenas pouco mais de 10% do total de gasto público em cultura. Doze anos mais tarde, esse percentual já ultrapassava os 20%, tendo atingido R$ 1,76 bilhões. Ainda assim, menos da metade do que foi gasto pelos municípios (R$ 4,14 bilhões), e ainda bem abaixo dos orçamentos dos estados e Distrito Federal (R$ 2,63 bilhões).
A má notícia é que esse cenário começa a mudar, para pior. O percentual orçamentário para a cultura da União, depois de subir de forma quase ininterrupta desde 2003, ultrapassando pela primeira vez a marca (ainda irrisória) de 0,1%, levou um tombo em 2014, caindo para 0,08%, percentual próximo do ano de 2009. Em reais, foi a primeira vez no período que o MinC gastou menos do que no ano anterior. O percentual dos estados vem caindo continuamente, desde 2010, de 0,5% para 0,37%. E os municípios, embora com ligeira elevação no último ano, mantiveram o percentual abaixo de 1%, o que não ocorria desde 2005.
Diante desse quadro, quais as opções? As sonhadas transferências de recursos, com que o MinC estimulou a adesão de estados e municípios ao Sistema Nacional de Cultura, parecem mais distantes do que nunca. Mesmo que você tenha realizado conferência de cultura, criado órgão gestor, conselho, fundo público… Com sorte, não terá de desfazer nada disso, para cortar despesas. Talvez já esteja pensando em criar uma lei de incentivo; em fazer projetos, para captar recursos com as que já existem; visitar empresários. Usar a imaginação, enfim.
Mas, e quando tiver de defender suas políticas – e o orçamento que as sustenta –frente ao prefeito, ao secretário da fazenda ou do planejamento, à Câmara de Vereadores, à sociedade… que resultados você tem para apresentar? Como você tem medido o sucesso dos seus programas? Pelo número de participantes, conforme estimativa da polícia militar? A quantidade de eventos que realizou? Em centímetros quadrados de cobertura espontânea nos jornais?
Mas o que aconteceu com o público dos seus eventos? Que experiências, que transformações ele provou? Aliás, que público é esse? Que idade, renda, profissão, endereço, que perfil ele tem? Saiu satisfeito com o que viu, ouviu, leu, experimentou; com o modo como foi atendido? Está disposto a voltar, a repetir a dose, ficou querendo mais? Seu evento conseguiu atrair alguém que nunca antes o frequentara? Ou são sempre os mesmos que participam? Por que motivos outras pessoas não participam de (ou nem mesmo se interessam por) seus programas e projetos?
Para além dos resultados no âmbito estritamente cultural e artístico, há também evidências sobre seus efeitos benéficos nos campos da saúde, da educação, na prevenção da criminalidade. Sem contar os eventuais impactos econômicos, que vem sendo cada vez mais estudados.
Você nunca tinha pensado nisso? Nunca é tarde para começar. Crise é sinônimo de oportunidade. Mas sem informação, fica muito mais difícil.
Deixe um comentário