Enviado por Mônica Herculano • dezembro 19, 2014 •
Copa do Mundo e eleições afetaram os investimentos em cultura no ano de 2014? Para alguns especialistas do setor, sim. Mas não parece ser um consenso que esses eventos foram os grandes responsáveis pelo que não foi realizado no período. As eleições, inclusive, poderiam ter sido um bom momento para se discutir sobre o tema, que foi praticamente ignorado.
Sem outros assuntos monopolizando as atenções, teremos avanços em 2015? O que é preciso para que isso aconteça?
Mantendo a tradição de fazer um balanço do que passou no ano que finda e tentar identificar quais são as perspectivas para o setor cultural nos próximos 12 meses, Cultura e Mercado dá início a uma série em que profissionais e especialistas avaliam essas questões.
Foram enviadas a cerca de 30 nomes, de diversos estados brasileiros, duas perguntas: 1) Qual é a sua avaliação do desenvolvimento do setor cultural em 2014 – o que aconteceu de mais importante e o que faltou acontecer?; e 2) Em termos de política e mercado, quais são as suas perspectivas para o setor em 2015?
As respostas começam a ser publicadas hoje, continuando até o início de 2015. A seguir, as 10 primeiras na íntegra, em ordem alfabética.
Cláudia Leitão, consultora e ex-secretária nacional da Economia Criativa (Ceará)
O que passou – Considero importantes conquistas legislações como o Marco Civil da Internet, assim como a aprovação e atual regulamentação da Lei Cultura Viva. Mas lamento que a cultura não tenha avançado através de marcos legais mais estruturantes como as legislações do Procultura, a do Direito do Autor e Propriedade Intelectual, assim como em outras legislações fundamentais à economia da cultura: trabalhista, previdenciária, tributária, empresarial, entre outras. Penso que a Conta Satélite da Cultura, em parceria com o IBGE, é mais um projeto que perdeu o vigor, o que impede o conhecimento e o reconhecimento da força econômica do campo cultural brasileiro. Lamento, ainda, a não implantação do Plano Brasil Criativo, construído entre 15 ministérios com a coordenação do MinC (através da Secretária da Economia Criativa) e da Casa Civil, a partir de 2011. Perdemos uma oportunidade rara de tratarmos a cultura como um Política de Estado, transversal a várias pastas de Governo, o que certamente traria importantes impactos para a população, especialmente, para o campo cultural e criativo brasileiro.
O que vem por aí – Espero que o MinC avance no enfrentamento de questões estruturantes como o financiamento à cultura, a ampliação do seu orçamento (inclusive para que se possa efetivar de forma plena o Sistema Nacional de Cultura), na realização de um eficaz Sistema de Informações e Indicadores Culturais (capaz de dar maior concretude e, por conseguinte, credibilidade ao Plano Nacional de Cultura), conquistar, ainda, uma maior capilaridade nas diversas regiões brasileiras, através do reforço de pessoal e de infra-estrutura das representações regionais e de suas vinculadas (como a Funarte, o Iphan, o Ibram, entre outras). Considero que a Secretaria da Economia Criativa pode ser fundamental para a consolidação de uma política pública capaz de contribuir para um novo modelo de desenvolvimento, fundamentado nos princípios da SEC: inclusão produtiva, diversidade cultural, inovação e sustentabilidade. Para isso, a Secretaria deveria retomar sua missão, visão e programas, delegando para outras áreas do MinC competências voltadas, por exemplo, à infraestrutura e ao conteúdo de equipamentos culturais.
Fabio de Sá Cesnik, advogado e sócio diretor do escritório especializado em cultura Cesnik, Quintino & Salinas Advogados (São Paulo)
O que passou – 2014 foi um ano influenciado pela Copa do Mundo e por eleições presidenciais. Isso afetou bastante a economia do setor cultural. As empresas que não trabalharam em função desses eventos tiveram dificuldades de estruturar suas atividades e atrair a atenção do publico. Vamos saber mais no final do ano, mas isso deve ter influenciado inclusive captações de incentivo fiscal.
O que vem por aí – 2015 tende a ser um ano melhor. Sem esses elementos externos pra influenciar no mundo cultural, deve ser um ano de retomada de investimentos e um avanço importante na agenda cultural. Nosso mercado está se consolidando a cada ano.
Fernando Schuler, consultor e curador do Fronteiras do Pensamento (Rio Grande do Sul)
O que passou – Penso que o mais importante projeto cultural brasileiro, lato sensu, é o Porto Maravilha, que está revitalizando a zona portuária e o centro histórico do Rio de Janeiro. Deveríamos prestar atenção nele, e ele deveria servir de exemplo para muitas cidades brasileiras. Outro fato importante neste ano foi a mudança na direção do Masp. O Masp é nosso mais importante museu, com um acervo extraordinário, e deve funcionar como um ícone brasileiro no mundo. Acho interessante também a revitalização do Teatro Municipal de São Paulo, com a criação da primeira OS municipal da capital paulista. Da mesma forma, considero essencial a continuidade do projeto do Complexo Cultural da Luz, que acredito não esteja paralisado, como chegou-se a noticiar. Um fato profundamente negativo foi a débâcle da Biblioteca Nacional, o símbolo de um modelo de gestão estatal ultrapassado, e que precisa mudar. De um modo geral, foi um ano difícil para o mercado cultural, em função do baixo crescimento da economia e da falta de perspectivas do país. A alta do dólar igualmente prejudica qualquer aquisição e contratação cultural do país no exterior. Mas não há o que lamentar. A vida de quem se dedica à cultura nunca foi propriamente fácil.
O que vem por aí – 2015 será um ano difícil, com crescimento baixo, dólar em alta e a nossa maior empresa patrocinadora, a Petrobras, vivendo uma profunda crise. O que eu posso dizer é que gostaria de ver uma mudança profunda na ação do Ministério da Cultura. A primeira e grande mudança seria a incorporação do modelo de gestão através das OSs, como hoje ocorre em São Paulo e, em menor escala, em Minas Gerais. É lamentável verificar a situação dos museus federais. E não me refiro, de modo algum, ao empenho dos funcionários dessas instituições. Eles são também vítimas de um modelo anacrônico de gestão. Minha pergunta é: se temos exemplos tão eloquentes, como o sucesso da Osesp e da Pinacoteca de São Paulo, por que teimamos em manter, no nível federal, um modo de gestão burocrática dos anos 1970? Espero sinceramente que a nova direção do Ministério avalie isso com racionalidade, e que o mesmo também seja feito pelos novos governos estaduais que assumem em janeiro. É o que eu gostaria que acontecesse em 2015: o início de uma revolução na gestão da malha cultural pública brasileira. Mas confesso que não sou muito otimista quanto a isso.
Henrique de Freitas Lima, advogado e consultor na área cultural, produtor no setor audiovisual (Rio Grande do Sul)
O que passou – Foi um ano muito difícil, pela conjunção de diversos fatores: economia em baixa, Copa do Mundo e eleições somados aos problemas de gestão federal e nos Estados, especialmente aqui no Rio Grande do Sul. Se as empresas tiveram resultados ruins, os eventos citados paralisaram os negócios. Os mecanismos diretos, especialmente o Fundo Setorial do Audiovisual, continuam com morosidade desesperadora. A sobrevivência dos operadores fica complicada se depender somente destes mecanismos. A maior parte das pessoas se divide em profissões paralelas ou em atividades rentáveis, como a produção de conteúdos por encomenda ou prestação de serviços. Aqui no RS, o mecanismo local, que soma Lei de Incentivo (LIC) ao Fundo de Apoio (FAC), seguiu apresentando os problemas já constatados: contrapartida alta na LIC (25% em média) e morosidade do FAC.
O que vem por aí – O PL do Procultura Federal chegou ao Senado e, se aprovado, o que deve acontecer, vai necessitar de tempo para ser assimilado pelos operadores e patrocinadores. Os Fundos Diretos (apenas o FSA e o FNC operam regularmente) sofrerão processos de contingenciamento em função das novas diretrizes econômicas, o que vai demandar a nossa mobilização para evitar maiores prejuizos. Aqui no RS, a troca de governo se faz em clima de penúria absoluta e a luta será pelo aumento do teto de investimento da LIC (R$ 35 milhões/ano em 2014) e pela baixa da contrapartida, com, pelo menos, a volta dos 10% de doação das empresas ao FAC. Como todos sabemos, a economia começa devagar em 2015. Esperemos que, com as lições aprendidas e o apoio do BRDE, a Ancine continue agilizando os mecanismos do FSA. É o que nos resta.
João Leiva Filho, diretor da JLeiva Cultura & Esporte (Rio de Janeiro)
O que passou – O que aconteceu de importante de 2014: o início da operação do Vale-Cultura. Ainda que com muitos problemas, o mecanismo tem tudo para funcionar como um fator importante para ampliar o acesso à cultura. Esforços em vários níveis (federal, estadual e municipal) para uma melhor organização de informações sobre a área cultural. Ainda que iniciais, são muito importantes para o desenvolvimento da área.
O que não aconteceu: os orçamentos para a cultura de forma geral, os públicos e os privados, por conta da queda no crescimento que reduziu os recursos em todas as frentes, dos editais às leis de incentivo, passando pela verba direta das empresas. A área só não sofreu mais porque ainda se beneficia das melhorias na escolaridade da população e na distribuição de renda conquistadas nos últimos anos.
O que vem por aí – De forma geral, acredito que o ano deve ser difícil, pois o cenário econômico geral, que sempre afeta a cultura, aponta para um crescimento baixo. Existe uma grande expectativa sobre a importância que será dada para a área pelo governo federal, principalmente quando consideramos o cenário de maior austeridade fiscal que se anuncia. O mais importante para a área em 2015 será o DIÁLOGO. Sem ele não conseguiremos avançar em algumas pautas importantes que já estão colocadas:
Discussão do Pró-Cultura no Congresso. É preciso que as mudanças sejam baseadas em um estudo mais objetivo e profundo sobre os impactos positivos e negativos que a lei trouxe, o que ainda não foi feito. Sem um estudo técnico qualificado, o projeto corre o sério risco de não atingir seus objetivos. Precisamos garantir ao menos a efetividade das pautas que são comuns;
Ampliação do Vale-Cultura. O mecanismo só ganhará peso se a área cultural se aproximar do empresariado. Principalmente em um momento de vacas magras;
Desenvolvimento do Plano Nacional de Cultura. É importante que o Plano, que começa a ecoar em Estados e municípios, ganhe musculatura e possa se transformar em algo efetivo, que de fato tenha um impacto positivo para a sociedade.
Leo Barros, produtor de cinema e TV (Rio de Janeiro)
O que passou – Acho que as duas grandes novidades do ano foram o Vale-Cultura – que introduziu um elemento novo: o financiamento cultural através da liberdade de escolha do consumidor final – e o ambicioso Programa Audiovisual Brasil de Todas as Telas. Mas foi um ano desfavorável para o filme nacional e, diferente dos anos anteriores, nenhum filme brasileiro ficou entre os Top 10 do mercado em bilheteria.
O que vem por aí – No setor audiovisual, há consenso de que o excesso de burocracia é um problema que precisa ser enfrentado. Tenho a expectativa de que as produtivas conversas havidas entre agentes e poder público vão se converter em 2015 em ações concretas de desburocratização.
Mario Olimpio, advogado e produtor cultural (Mato Grosso)
O que passou – O ano de 2014 não trouxe grandes novidades para o setor cultural. O poder público, nas suas três esferas, continua a investir muito pouco e com quase nada de fomento e incentivo à atividade. Os governos parecem ter desistido e um sinal disso é que a cultura sequer foi tema no debate eleitoral Brasil afora. Temos pouco a comemorar e me parece que o mercado, por meio de ambientes colaborativos e tendo a internet como veículo, avançou mais do que o poder público. No entanto, numa atividade economicamente frágil como a cultura, o papel do primeiro setor é fundamental.
O que vem por aí – Em termos de política, eu espero que os novos governos, inclusive o federal, aumentem os investimentos na atividade, embora seja muito cético em relação a isso. Será um ano difícil politicamente e os mandatários devem se preocupar em fazer o superávit primário, e essas duas palavrinhas são absolutamente nocivas para as atividades de ponta, como é a cultura. Continuo jogando minhas fichas no modelo colaborativo, associativo e solidário de produção cultural, com ações nuclearizadas e enredadas, como forma de crescer e se sustentar. Como eu disse, será um ano difícil e sobreviver já será um grande feito. É claro que não falo dos grandes produtores, que sempre se viram nas relações pouco republicanas de mercado, mas dos pequenos produtores, que formam a base da cadeia produtiva. Enfim, cabeça no lugar e muito trabalho pela frente.
Sérgio Ajzenberg, fundador da Divina Comédia Produções Artísticas (São Paulo)
O que passou – Acredito que a maior decepção em 2014 tenha sido a falta de espaço para as Artes e a Cultura durante a Copa de 2014. Perdemos uma oportunidade imensa de mostrarmos aos turistas e aos próprios brasileiros que se movimentavam de maneira organizada nossa música, nossos museus, artistas plásticos brasileiros, nossos musicais com histórias nacionais, festivais de cinema nacionais, enfim, a nossa arte e nossa identidade. Faltou. Foram embora tendo a certeza que não somos nem mais o país do futebol. Poderíamos ter sido o país das Artes.
O que vem por aí – Infelizmente continuaremos com baixa atenção e baixo orçamento nos novos governantes. Por outro lado haverá mais verba da área privada de comunicação para a Cultura e as Artes. Afinal não haverá o monotema da Copa que dominou a área e virou pó depois dos 7X1 contra a Alemanha.
Sérgio Sá Leitão, secretário municipal de cultura do Rio de Janeiro e presidente da RioFilme (Rio de Janeiro)
O que passou – 2014 foi um ano positivo no plano local. Consolidamos o programa Cultura Viva no Rio, com 50 pontos de cultura, 16 pontos de leitura, seis pontões de cultura e 85 projetos de ações locais em todas as regiões da cidade. O Rio foi mais uma vez a cidade brasileira que mais investiu em cultura. Cerca de R$ 260 milhões, com cerca de 700 projetos culturais apoiados. Iniciamos a celebração dos 450 anos da cidade. Os 60 espaços culturais da Prefeitura tiveram um público recorde. E realizamos um edital pioneiro voltado a projetos e produtores culturais LGBT. Infelizmente as ações com o MinC não foram adiante. Espero que as mudanças no Governo Federal facilitem o estabelecimento de novas parcerias.
O que vem por aí – No Rio, vamos ampliar o fomento e o programa Cultura Viva, além de implantar um novo modelo de gestão nos espaços culturais da Prefeitura e realizar o Plano Municipal de Cultura. O orçamento se manterá no patamar de 2014. Daremos sequência à celebração dos 450 anos e teremos a inauguração do Museu do Amanhã, na região portuária. No plano federal, espero que o Vale Cultura deslanche. E que o MinC passe a trabalhar mais em parceria com estados e municípios. Espero também que o MinC tenha um orçamento decente. O de 2013 foi o menor da história, em termos proporcionais.
Vitor Ortiz, especialista em gestão cultural, ex-secretário executivo do Ministério da Cultura e ex-secretário de Cultura de Porto Alegre (Rio Grande do Sul)
O que passou – O ano não foi bom para a cultura no que se refere às expectativas de investimentos privados. O baixo desempenho da economia, a Copa e as eleições afetaram os investimentos de um modo geral. No entanto, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio Grande do Sul teve um de seus melhores anos, com uma execução de R$ 35 milhões de recursos para a Cultura. Esse valor foi o teto máximo estabelecido pelo governo estadual. Nos últimos anos, a lei funcionou melhor e se o governo que entra agora manter ou aumentar o teto, o setor cultural e os mecenas darão conta do recado.
No Brasil, não vi ainda os números finais da Rouanet, no entanto, é evidente que tem havido um aumento ainda maior da concentração de recursos, tanto no Rio e em São Paulo como em um número menor de produtoras ou institutos. As leis de incentivo são leis de mercado e é difícil mudar isso, embora devêssemos seguir na tentativa de um consenso para aprimorar a Lei Rouanet, para dar a ela um sentido mais público. Também é fato que os maiores investidores, exceto a Petrobras, têm buscado investir mais em projetos próprios. Esse é outro indicador de que problemas antigos seguem sem solução.
O que vem por aí – Acho que 2015 ainda vai ser duro. Mas pode melhorar em 2016, tanto porque o mercado vai estar com mais recursos para investir em cultura, tanto porque o governo federal pode melhorar e dar estabilidade as suas políticas e investimentos. Acho que o MinC precisa de estabilidade para retomar suas ações com mais força.
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