O Que Falta Para a Tal Economia Criativa Decolar? – Brasil

O Brasil é um dos maiores produtores de criatividade do mundo, com cifras que chegam a R$ 110 bilhões. O que falta para a tal economia criativa decolar? Investir na gestão cultural é uma das metas.

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Bastou uma disciplina, como mote, e a máquina fotográfica, como ferramenta, para que Thiago Lucas, estudante de desenho industrial da Universidade de Brasília (UnB) conhecesse um grupo de catadores de lixo e começasse a pensar na questão dos resíduos. Em 2011, ao desenvolver um projeto de design socioambiental, o estudante saiu dos arredores da UnB e foi parar na Estrutural. Foi lá que descobriu um “mundo de madeira”, como ele próprio descreve. Movido pelas infinitas possibilidades de uso com tantas portas e estacas dando sopa, ele só não sabia o que fazer com toda aquela matéria-prima, até encontrar como parceira a cooperativa de ex-detentos Sonho de Liberdade, quando era bolsista no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB. Nascia a Linha Estrutural de móveis. Um ano depois, a criação participava de eventos de moda e de arquitetura em Brasília, para surpresa de Thiago. O que o designer, de 27 anos, não sabia é que, por causa dessa criação, ele seria convidado a fazer parte da chamada “economia criativa”.

Termo relativamente novo, batizado pelo economista britânico John Howkins, quando lançou um livro de mesmo nome em 2001, a economia criativa abrange a produção cultural e criativa de um país. “Ela responde pelos produtos e serviços nas sociedades contemporâneas que envolvem, de um lado, ciência e tecnologia e, do outro, conteúdo de cultura. Se fosse resumir esse conceito em uma equação de primeiro grau, diria: ciência e tecnologia mais cultura é igual a economia criativa. E isso é a cara do século 21”, explica Cláudia Leitão, convidada pelo Ministério da Cultura para criar e assumir a Secretaria de Economia Criativa no ano passado.

No caso de Thiago, a ideia de se valer de estacas de madeira desprezadas no lixo para desenvolver um móvel com design próprio foi possível porque a cooperativa queria agregar valor aos móveis. Sendo assim, o estudante conseguiu transformar um cenário de abandono em um espaço pronto para criações. “Quando o Thiago chegou aqui, ele parecia um cientista maluco com tantas ideias que mostrava para a gente. Vinha, olhava a madeira e ficava doidinho que nem criança por chocolate”, brinca Fernando de Figueiredo, criador e coordenador da cooperativa, que conta com 80 ex-detentos e voluntários em regime semiaberto. Ao somar o know-how da faculdade com a organização e a vontade da equipe liderada por Fernando, a linha de mesas e bancos montados sem pregos, mas com pinos e cola, ganhou ainda mais visibilidade neste ano.

Selecionado com outros 300 criativos em um grupo de mais de 1.600 inscritos de todo o país no Movimento Hotspot, Thiago busca a chance de levar para a frente o trabalho com a cooperativa. Criado pelo produtor cultural e coordenador do São Paulo Fashion Week, Paulo Borges, além de outros gestores de cultura, o Hotspot começou como uma incubadora de moda em 2000, mas há um ano se transformou em um festival que busca, expõe e premia novos talentos. Em questão, está a criatividade em 11 áreas (arquitetura, design, beleza, cenografia, design gráfico, filme e vídeo, fotografia, ilustração, moda, música e ideia).

“Esse é um ponto de partida, não um ponto de chegada para os candidatos. O desafio é como transportar essa criatividade para um ambiente real sem que essa veia criativa se perca na prática. Queremos que sejam grandes profissionais nas suas áreas de atuação, mas não impomos um modelo de negócio”, disse Paulo Borges na semana passada, durante a exposição dos trabalhos do Centro-Oeste selecionados pelo Hotspot.

Outro grupo de criadores selecionados pelo Movimento Hotspot aposta no valor de uma ideia autoral, bem desenvolvida e atrelada à cultura brasiliense. Fascinados por pisantes com estilo, Miguel Marinho, 25 anos, Vinícius Matteo, 24, e Gabriel Lira, 26, criaram a Muv Custom Shoes em novembro de 2011. “Todas as outras marcas estrangeiras têm uma linha customizada, mas a variação não é grande e a edição é limitada, ou seja, difícil de comprar. Nossa ideia foi deixar que o consumidor fizesse o tênis do jeito que gostasse”, lembra Vinícius. 

Em parceria com artistas, grafiteiros e estilistas da cidade, o trio oferece estampas únicas para customizar o tênis. Cada artista colaborador recebe royalties pela venda do sapato, enquanto os meninos se encarregam da fabricação e do e-commerce. Com o tênis como suporte, os designers mostram seus trabalhos de uma forma inusitada e a Muv tem um diferencial no mercado. “Usamos esse conceito de crowdsourcing (quando você usa da habilidade de alguém ou de um grupo) para criarmos algo novo juntos”, explica Vinícius.

Entre muitas coleções desenvolvidas pela Muv Custom Shoes, uma em particular continua sendo a mais vendida. Parceria com a Fundação Athos Bulcão, as pombinhas da Igrejinha da 108 Sul pegaram os brasilienses — e mesmo aqueles que não moram na cidade — pelos pés. O que o grupo não imaginava era outra repercussão. Dessa vez, uma parceria com o estilista brasiliense Samm Marcuccy, em janeiro de 2012, no Fashion Rio. “De repente, a demanda era tanta que a gente precisou ampliar”, lembra Vinícius.

No fim de 2012, os sócios se viram obrigados a encerrar os pedidos da linha customizada para voltar neste ano com sneakers de melhor qualidade. Passaram uma temporada na China, onde encontraram uma fábrica que desenvolvesse uma máquina para impressão em 3D apropriada aos modelos da Muv Shoes, antes adesivados. Em maio, novos pisantes devem ocupar a loja virtual com desenhos de parceiros, entre novos designers e grafiteiros, cujos nomes são mantidos em segredo pelos sócios.

Enquanto não estreia as coleções, o trio se mantém esperançoso quanto à final do Movimento Hotspot em julho, quando um vencedor de cada categoria passará por um período de imersão, com palestras e trabalhos coletivos, em São Paulo. Confiantes, os brasilienses da Muv Custom Shoes apostam nesse momento de bons ventos da economia criativa. Parceiro do Hotspot, o Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Grandes Empresas (Sebrae), palco do evento, colabora com a expectativa desses jovens criadores. Tanto que, atualmente, o Sebrae atua em 153 projetos de economia criativa em todo o país. “Prevemos um aporte de recursos de R$ 36 milhões, fora contrapartidas de parceiros, para projetos da área”, antecipa Carlos Alberto dos Santos, diretor técnico do Sebrae.

 Conta Satélite de Cultura
Até 2014, o Brasil deve saber quanto a economia criativa representa para o Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB). Em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério da Cultura deve fazer um levantamento que apontará informações acerca de atividades relacionadas aos bens e serviços culturais, além de levantar dados sobre geração de emprego, investimentos e consumo.

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2013/04/14/interna_revista_correio,359914/economia-criativa-o-valor-de-uma-ideia.shtml

Leia a reportagem completa sobre economia criativa na edição impressa da Revista do Correio, de 14/04/2013

 

 

Maria Júlia Lledó

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