Como E Porque Fazer Bienais De Arte?

Bienais em tempos contemporâneos
Enviado por Daniel Rangel • dezembro 18, 2014 •
“Como fazer bienais em tempos contemporâneos” foi o título concebido pelos diretores artísticos do Fórum Mundial de Bienais Nº2, recentemente realizado em São Paulo, fruto da parceria entre a holandesa Biennial Foundation, o ICCo – Instituto de Cultura Contemporânea, e a Fundação Bienal de São Paulo.

logo_culturamercado
A partir desta primeira questão, outras também poderiam ser levantadas, como “Por que fazer bienais?” ou até mesmo “Para quem fazer bienais?”. Contudo, ao proporem o “Como fazer…”, estão relacionando o tema diretamente com a prática de realização, o modus operandi das bienais. A proposta torna-se ainda mais relevante e de certa forma corajosa, em seu tempo e espaço, pois foi pensada pelos mesmos curadores da última edição da Bienal de São Paulo (Charles Esches, Galit Eilat, Nuria Enguinta Mayo, Pablo La Fuente, Oren Sagiv, Benjamin Seroussi e Luiza Proença), a 31ª, que estava aberta ao público e exposta ao mesmo tempo em que acontecia o Fórum.

Atualmente, existem mais de 150 bienais de arte espalhadas pelo planeta. A primeira delas surgiu em 1895, em Veneza, Itália, e até os dias atuais é a mais famosa e prestigiada, sendo considerada como a principal vitrine internacional das artes plásticas e visuais do mundo. A segunda bienal, em tempo de existência e importância, é a de São Paulo, criada em 1951 por Ciccillo Matarazzo. Hoje, no Brasil, além da Bienal de São Paulo, existem três bienais de arte relevantes sediadas em outras capitais brasileiras: a Bienal do Mercosul (Porto Alegre), criada em 1997, a Bienal de Curitiba, que surgiu em 1993, e a Bienal da Bahia, que, apesar de ter apresentado sua terceira edição em 2014, é fruto de um resgate histórico que havia sido interrompido em 1964, durante o início da ditadura militar.

O processo de surgimento das bienais foi gradativo a partir dos anos 50, tendo sido bastante intensificado a partir dos anos 80 até a primeira década dos anos 2000. A maioria das bienais segue dois modelos gerais e básicos: o primeiro, espelhado em Veneza, é o das representações internacionais, que possuem como eixo central apresentar a produção internacional atual de determinados países em um determinado contexto local. O segundo formato existente, uma expansão mais recente do primeiro, está atrelado ao conceito de “musealização” e a ferramentas de marketing e turismo cultural das cidades.

Este processo ocorreu principalmente no período de fartura econômica da Europa e da Ásia, e seu principal objetivo é atrair visibilidade para um determinado contexto local dentro de uma cena internacional, por meio da realização de grandes eventos, espetáculos artísticos, ou até mesmo da construção de suntuosos espaços artísticos, como no emblemático caso do Museu Guggenheim, em Bilbao, na Espanha, ou da prestigiada mostra Documenta, que de cinco em cinco anos desloca a nata do mundo das artes para a pequena Kassel, no interior da Alemanha.

O Fórum Mundial de Bienais Nº2 contou com a participação da atual CEO da Documenta de Kassel, Annette Kulenkampff, e também com o criador e diretor da Bienal do Lubumbashi, Patrick Mudekereza, no Congo africano, entre muitos outros importantes embaixadores das artes. Pessoas com realidades diversas, representantes de bienais distintas, grandes e pequenas, mas que perceberam existir muitas problemáticas em comum. Ao todo, foram mais de 400 participantes, dos quais 135 estrangeiros, representando países dos cinco continentes e mais de 100 instituições nacionais e internacionais.

A programação foi dividida entre quatro workshops, com representantes de instituições e profissionais convidados, e quatro painéis abertos ao público, que abordaram temas transversais às bienais e que também serviram de base para as discussões fechadas. As linhas mestres dos debates e apresentações foram: o arquivo, a história e memória das bienais; a relação das obras de arte com o espaço e o tempo em que estão expostas; as ações educativas das exposições e a relação destas com o público; além de modelos de bienais atuais do chamado eixo-sul das artes.

A palestra de abertura, realizada pelo filósofo inglês Peter Osborne, abordou a relação do tempo contemporâneo e o espaço global com o contexto local das bienais na atualidade, questões que foram constantemente retomadas por outros palestrantes e pelos participantes dos workshops, principalmente o papel internacional e local das bienais, no que se refere ao espaço destas para os artistas e o público frequentador. Assim como a relação de cada bienal com o contexto em que está inserida em conexão com o que é considerado o tempo contemporâneo na escala global. Assuntos que emergiram e que ressaltaram a importância das diferenças e singularidades de cada evento, e que refletiram a prática individual de cada um dos participantes.

A Bienal de São Paulo, por exemplo, em seu início, tinha como objetivo trazer ao nosso país as principais obras e artistas em voga e colocar o Brasil no mapa das grandes exposições de artes do circuito internacional. A tarefa foi muito bem sucedida – atualmente, São Paulo é um dos principais polos de difusão, produção e comércio da cena artística mundial, não somente devido à importância da bienal, mas por todo o sistema de arte existente no contexto local. Se, no começo, o modelo que até hoje é praticado em Veneza, das representações nacionais, fazia sentido para a cidade e para o país, a partir de certo momento, de uma certa maturidade e desenvolvimento do setor artístico local, fez-se necessário uma mudança de rumo com relação aos objetivos da bienal.

No final dos anos 70, e começo dos anos 80, sob o comando de Walter Zanini, então curador e diretor geral da instituição, a Bienal de São Paulo iniciou o rompimento com o modelo das representações nacionais vigentes para buscar a realização de propostas que fizessem sentido e dialogassem com o contexto local, mais próximo do modelo curatorial da atualidade. Somente na 28ª edição, em 2006, que a curadora Lisette Lagnado rompeu totalmente com o modelo das representações e passou a escolher livremente os artistas para participarem da bienal, a partir de conceitos e pesquisas definidas apenas pela equipe curatorial do evento, modelo que segue até o presente.

Atualmente, esta questão das representações nacionais está diretamente relacionada com outro tema desafiador e inerente a todas as bienais: o financiamento. Assim como todas grandes exposições de arte, as bienais possuem custos bem elevados para as realidades locais. O orçamento de uma edição da Bienal de São Paulo gira em torno de R$ 20 milhões, incluindo a exposição e o funcionamento da instituição durante todo o período. Entretanto, o investimento é muitas vezes feito pelo setor público, pois é um evento que alavanca diversos outros atores da chamada economia criativa, principalmente dentro da cidade onde é realizada. Além dos artistas e curadores, que, no mínimo, recebem cachês e têm o valor de produção de seus trabalhos elevados a partir da participação em importantes bienais, são ativados também os mais diversos segmentos, como arquitetos, designers, montadores, produtores, empresas de transporte, de seguro, hotéis, restaurantes e gráficas, independente do porte do evento.

Uma das principais estratégias de financiamento dos projetos artísticos é justamente através de apoio vindo de países de origem dos artistas selecionados. Este tema também foi levantado durante o segundo do Fórum Mundial de Bienais, que se desdobrou na discussão sobre a liberdade de escolha dos artistas pelos curadores, e, mais do que isso, na liberdade de expressão artística, uma vez que muitos destes são financiados por governos, com posições ideológicas contrárias às propostas dos artistas, ou acabam não sendo financiados, ou até mesmo selecionados. Enfim, acho que este já será assunto para um terceiro Fórum.

Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.