Especialistas Explicam Por Que a Cultura Não É Prioridade Dos Candidatos

Cientistas e políticos expõe as principais as razões pelas quais o tema é esquecido na agenda das campanhas eleitorais

Do Correio Brasiliense

Gabriel de Sá
Publicação: 31/08/2014 08:02 Atualização: 01/09/2014 13:36
“A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte.” O grito de guerra entoado pelos Titãs no fim dos anos 1980 segue bastante atual, mesmo após mais de duas décadas. Porém, conforme se vê em propagadas e discursos eleitorais que invadiram o país nas últimas semanas, o “diversão e arte” continua a ter pouco espaço se comparado à “comida”. Candidatos às diversas esferas do poder público elegem tópicos como saúde, segurança e educação para alicerçar seus discursos, mas raramente as temáticas culturais são colocadas no centro da pauta. Afinal, cultura não rende votos?

cultura pauta eleitoral

A cultura, para muito além do puro espetáculo e entretenimento, é o conceito que estrutura as formas morais e éticas de uma sociedade. Logo, é parte indissociável da política. Quem defende essa ideia é o filósofo mineiro Adauto Novaes. “Não tem como falar de política sem falar de cultura. E as duas são construções lentas e permanentes. Parece haver horror dos candidatos ao pensamento”, opina. Novaes critica o formato das propagandas e dos debates eleitorais, em que nem a política é discutida com a devida profundidade. “O que a gente vê na tevê é um espetáculo de gosto duvidoso: como discutir questões seculares em 30 segundos?”, questiona. “Um político sério não deve pensar apenas no voto, mas na concepção geral do que está propondo. A sociedade é muito sensível a essas questões.”

Com um olhar mais pragmático, mas também crítico, o doutor em ciência política pela Universidade de Brasília Leonardo Barreto considera quase nula a perspectiva de surgimento de um candidato que paute a cultura como prioridade. “O tema aparece de forma transversal, como alternativa de lazer e entretenimento e em projetos de segurança pública para os jovens, como no combate às drogas. Os políticos acreditam que, estrategicamente, a cultura não é importante para angariar votos”, detalha. O que poderia ser feito, então? O professor defende que, apenas quando os governos conseguirem resolver as demandas mais básicas da população — nível de emprego adequado, segurança e saúde, entre outros —, reivindicações menos urgentes surgirão com mais força.

A cantora e compositora Ana de Hollanda, ex-ministra da Cultura, diz não se surpreender com a ausência do assunto na agenda eleitoral. “Até prefiro reconhecer esse vácuo a me deparar com o tradicional discurso que equipara cultura a mero entretenimento. O tema, sem dúvida complexo, é vital para milhares de pessoas que se dedicam a ele e que não estão se reconhecendo nas propostas políticas apresentadas até agora”, critica.

Depoimento Ana de Hollanda:

Por estranho que se possa parecer, não me surpreende a ausência da cultura na agenda eleitoral. Até prefiro reconhecer esse vácuo, a me deparar com o tradicional discurso paternalista ou aquele que equipara cultura a mero entretenimento. O tema, sem dúvida complexo, é vital para milhares de pessoas que se dedicam a ele e que não estão se reconhecendo nas propostas políticas apresentadas até agora.
É claro que cabe ao governo apoiar setores de responsabilidade pública como patrimônio, museus, bibliotecas e outros. Mas quando se trata de produção cultural, o tratamento dispensado tanto pode ser estimulante como inibidor. Os criadores artistas ou escritores profissionais, com exceção dos consagrados, não se mantêm através de leis de mecenato, nem editais públicos. E o mercado, outra forma de sustentabilidade, é controlado por grupos privados que defendem seus interesses. Caberia, então, ao Estado elaborar políticas de estímulo e reconhecimento da produção cultural em toda sua diversidade e fomentassem sua produção e comercialização. O Plano Brasil Criativo, nascido em minha gestão no MinC, tinha como meta mapear toda a cadeia produtiva, da criação à distribuição do produto, facilitando sua difusão, comercialização e acesso a ele. Somente um portal público teria condições de oferecer essa facilidade de aproximação do produto cultural ou manifestação artística ao seu público potencial. Reconheço que quando criamos a Secretaria de Economia Criativa e se desenvolveu o Plano, eu deveria ter exigido o imediato inicio do mapeamento cultural nacional que acabou sendo substituído por infindáveis seminários que nada respondem aos profissionais da cultura. Essa resposta ainda é uma dívida.

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