Rodolfo Lucena completou no domingo passado o percurso de 460 quilômetros em homenagem ao próximo aniversário de São Paulo, que tem como “data de nascimento” 25 de janeiro de 1554.
Veja outros detalhes no vídeo a seguir, exibido no “TV Folha” (TV Cultura) deste domingo.
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Foram 40 dias de andanças, mais três míseras folguinhas em toda a jornada. Cada dia saía de algum ponto diferente e peregrinava por algumas horas, tentando conhecer os intestinos daquele local.
Comecei em primeiro de dezembro de 2013 no extremo da zona oeste, no topo da cidade: subi correndo o pico do Jaraguá, chegando ao ponto mais alto da metrópole, 1.135 metros acima do nível do mar.
De lá é possível apreciar belas paisagens, mas, logo ao sopé do morro, em frente à entrada do parque estadual do Jaraguá, o visitante encontra um dramático exemplo do estado em que vive parte de nossa população. Em uma aldeia de índios guaranis há choças, choupanas, barracos e casas precárias onde moram 127 famílias, cerca de 700 pessoas. O esgoto rola pelo chão batido; cachorros, gatos e galinhas circulam entre a criançada, que brinca com bonecos produzidos pela própria tribo.
A situação de abandono também atinge parte da história da cidade. Percorri, na região da Mooca, ruas com ruínas de prédios bombardeados durante da Revolução de 1924, a mais cruenta da história de São Paulo. Os edifícios parecem entregues à destruição do tempo. Mesmo uma chaminé tombada pelo patrimônio histórico, ao lado do prédio que abriga a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), na Luz, está longe de ter os cuidados merecidos.
Em Perus, parecem estar ao deus-dará as ruínas da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, a primeira fábrica do gênero no Brasil. Contribuiu para a construção da cidade e do país, foi palco de históricos conflitos trabalhistas e hoje ali há apenas restos de prédios esburacados e vazios.
Mas ainda há esperança: movimento que congrega entidades da região pedem o tombamento de toda a área e sua transformação em parque e museu.
A falta de cuidados atinge ainda nossas calçadas. Circulei pelo rico Morumbi e pela luxuosa Oscar Freire, pelos confins da avenida Sapopemba e pela quase desconhecida ilha de Bororé. Em todos os pontos, com raríssimas exceções, as áreas de circulação de pedestres mais parecem regiões de conflitos, esburacadas, cheias de altos e baixos.
O que não quer dizer que São Paulo também não esconda surpresas e maravilhas. Visitei, no extremo da zona sul, a cratera de Colônia, um local que, há milhões de anos, foi atingido por um corpo extraterrestre —se meteoro, asteroide ou cometa, os estudiosos ainda não sabem.
Também sensacional é o granito de Guaianases, uma afloração rochosa explorada por uma pedreira no século passado. Trata-se de exemplo de rocha formada há 600 milhões de anos, provavelmente pela colisão dos blocos onde hoje estão o Brasil e a África. Há projeto para preservar a área e transformá-la a área em parque, mas, por enquanto, é usada como piscinão.
Falando em parques, todos sabem que São Paulo tem poucos. Mas eles existem. Alguns são distantes do centro, como o núcleo Curucutu, no parque estadual da serra do Mar, no extremo sul, onde o visitante percorre uma trilha que passa pelo limite com a cidade praieira Itanhaém. Há os mais urbanos, como o do Piqueri, espécie de recanto mágico encravado ao lado da marginal Tietê.
De tudo, porém, o que mais me encantou foi o povo que conheci. Artistas transformam escadarias cinzentas em obras de cor e alegria; escolas levam letras para analfabetos; música soa em encostas com favelas; milhares se mobilizam por trabalho, saúde e habitação. Em cada local, a cidade pulsa, vibra, tem gente que luta para transformar seu mundo. É uma São Paulo viva.
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